O Jornal

O antes

A ideia de criar o semanário Nosso Tempo surgiu em maio de 1980, quando o também semanário Hoje Foz foi vendido para Jucundino Furtado, político ligado à antiga Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação da ditadura. Jucundino era um homem poderoso, tido como operador da logística do grupo político liderado por Ney Braga. Essa fama surgiu a partir dos cargos ocupados por ele, como o de diretor-administrativo de Itaipu Binacional e presidente do Banco do Estado do Paraná.

Com a venda do jornal, que funcionava na Vila Yolanda, os jornalistas Aluízio Palmar, João Adelino de Souza e Juvêncio Mazzarollo foram demitidos. Os três eram responsáveis pela linha de conotação popular, de esquerda e de contestação ao governo militar. Naqueles anos a Presidência da República era ocupada pelo general João Figueiredo; o estado do Paraná, pelo coronel Ney Braga; e o município, pelo coronel Clóvis Cunha Vianna.

A permanência dos três jornalistas contestadores era incompatível como a nova orientação que o jornal passaria a ter. Aluízio havia chegado a Foz do Iguaçu em setembro do ano anterior, após ser anistiado. Ele retornou do exílio em que viveu oito anos após ser trocado pelo embaixador da Suíça no Brasil. João Adelino havia passado pelo jornal Fronteira do Iguaçu, de Cascavel, e saído para fundar, juntamente com Sefrin Filho, o Hoje, primeiro em Cascavel e mais tarde seus similares em Marechal Rondon e Foz do Iguaçu. Juvêncio Mazzarollo começou suas atividades jornalísticas no Hoje, a convite de Adelino, então editor da versão iguaçuense do semanário de Cascavel.

Antes, Juvêncio, formado em Letras, havia exercido a profissão de professor de português, literatura e inglês na rede estadual de ensino, de 1970 a 1978. Era professor do Colégio Agrícola Manoel Moreira Pena quando foi sumariamente demitido pelo então governador interventor Jaime Canet Jr., por causa de uma entrevista que concedeu ao jornal Hoje Foz criticando a condução da educação no Paraná. Fora do magistério, Juvêncio passou a trabalhar no jornal que o entrevistara.

Desempregados, Aluízio, Adelino e Juvêncio idealizaram a criação de um jornal que teria sua linha editorial assentada na exposição dos problemas da cidade, no combate à ditadura, defesa dos movimentos populares e na luta por eleições diretas para todos os cargos eletivos, em especial dos prefeitos das chamadas “áreas de segurança nacional”.

Cenário em 1980

Foz do Iguaçu vivia, então, dias agitados, com um crescimento demográfico a taxas elevadíssimas e problemas pipocando por todos os cantos na esteira da construção da Usina de Itaipu. No rastro da expansão urbana surgiam demandas, como falta de água encanada e energia elétrica. Diariamente chegavam à cidade milhares de famílias atraídas pela construção de Itaipu. A especulação imobiliária corria solta, o esgoto corria a céu aberto, e setores expressivos da sociedade representados por profissionais liberais e elite mercantil, basicamente do comércio varejista e exportador, expressavam em círculos restritos seu descontentamento com a intervenção federal no município. A exaustão do modelo autoritário chegava à fronteira. Era o fim da supressão dos direitos civis e políticos.

A proposta de criação de um jornal com linha editorial de contestação ao prefeito nomeado assentou como uma luva para aqueles que não tinham espaço para participar da vida política da cidade. Daí a facilidade que encontraram os criadores do jornal para amealhar recursos para comprar uma máquina de fotocomposição, numa época em que quase todos os jornais e gráficas da Região Oeste do Paraná usavam a máquina de escrever composer IBM para montar as páginas, enquanto os títulos eram feitos com letras que os diagramadores decalcavam uma por uma.

Para formalizar a captação de capital foi registrada uma editora, da qual em sua primeira composição participaram políticos e empresários ligados tanto ao PMDB quanto ao PDS. Alguns desses sócios-fundadores assumiram a participação e seus nomes passaram a constar no contrato social registrado em cartório. Outros ajudaram e pediram para não aparecer devido ao clima de perseguição que havia na época.

A sede do jornal foi instalada numa casa da Rua Cândido Ferreira, Vila Yolanda, e logo após a montagem do equipamento de composição se juntou à equipe o jornalista Jessé Vidigal, que era o responsável pela diagramação do Hoje Foz. Esse, após a compra pelo grupo representado por Jucundino Furtado, mudou de nome para Tribuna de Foz, de curta duração.

Originário de Maringá, Jessé era de uma escola de diagramadores com forte influência dos jornais alternativos do eixo Rio-São Paulo e de Elifas Andreato, que ele se orgulhava de chamar de “seu mestre”.

Sob pressão já no começo

Os quatro formaram a equipe que formulou o conteúdo e deu cara ao jornal Nosso Tempo. Aluízio Palmar tinha formação marxista e um histórico de militância de confronto com a ditadura; João Adelino, jornalista de texto leve e direto, com experiência em jornalismo na região; Juvêncio Mazzarollo, marcado pela repressão política desde que, em 1968, como ativista do movimento estudantil no Rio Grande do Sul, fora preso ao participar do 30º Encontro da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, São Paulo; e Jessé Vidigal, formado nas rodas intelectuais de Maringá e Londrina conhecidas pelo vanguardismo nas artes e costumes.

Com a primeira edição, Nosso Tempo marcou posição e mostrou sua disposição à luta. O carro-chefe da estreia foi uma reportagem sobre a existência de tortura na delegacia de polícia de Foz do Iguaçu, com um desenho de um homem pendurado num pau de arara na capa. Além desse conteúdo, a edição trouxe textos com um viés nitidamente de esquerda.

A ousadia disparada desde o casarão da Vila Yolanda teve como consequência uma investida da repressão para cima dos sócios, a parte mais vulnerável do empreendimento. Antes, ainda na primeira composição da sociedade, o comandante do Batalhão já havia dito ao farmacêutico e então vereador Evandro Stelle Teixeira que os militares não queriam o nome de Palmar no expediente. Mesmo com o atendimento a este “pedido”, os militares caíram sobre os sócios fazendo todo tipo de pressão, principalmente ameaças de dificultar seus negócios.

Resistência

Como os editores não arredaram pé, mantiveram e radicalizaram a linha editorial, aos poucos os sócios-empresários foram afastando-se do empreendimento. Com o represamento do Rio Paraná para formação do reservatório em 1982, os problemas entre a administração da Itaipu Binacional e os proprietários, posseiros, indígenas e ambientalistas aumentaram, e todos eles foram parar na redação do Nosso Tempo.

Em seu editorial e nas reportagens, o semanário levantava com ênfase os conflitos sociais e políticos causados pela diretoria da Itaipu e pela explosão da expansão urbana.

Drible na legalidade

Em 1981, a perseguição contra o semanário chegou ao seu nível mais elevado, com pressões contra os anunciantes e ameaças, inclusive de morte, aos editores. Como estes não recuaram diante das ameaças, os militares acionaram o Ministério do Trabalho para fechar o jornal, tendo em vista que Adelino, Juvêncio e Jessé não eram jornalistas profissionais.

Para que o jornal pudesse seguir seu trabalho, Élson Faxina e mais dois jornalistas profissionais – Fábio Campana e Noemi Osna – decidiram assinar o jornal como editores por diversos anos gratuitamente.

Processo e prisão Juvêncio

Apesar deste artifício legal, as pressões prosseguiram até que o regime arbitrário usou seu último recurso: enquadrar e processar Aluízio, Adelino e Juvêncio pela Lei de Segurança Nacional. Os dois primeiros foram absolvidos, mas Juvêncio foi condenado inicialmente a dois anos de prisão, pena depois aumentada para quatro anos pelo Superior Tribunal Militar.

Mesmo com um de seus editores preso, Nosso Tempo manteve a linha editorial, com Adelino, Aluízio e Jessé na edição, e Juvêncio escrevendo seus artigos da prisão, sempre na mesma linha contestatória e esquerdista, como se nada lhe tivesse acontecido.

A hora da oposição?

O ano de 1982 começava com uma correlação de forças extremamente favorável aos partidos de oposição, considerando que o regime instalado pelo golpe militar de 1964 estava fatalmente esgotado, com o país mergulhado em uma inflação cada dia mais em alta, a classe média descontente, e as greves operárias eclodindo no ABC paulista.

Nesse ano o Paraná elegeu José Richa seu governador, e havia no ar uma forte expectativa de se substituir chefias nos municípios sob intervenção.

Em Foz do Iguaçu, o movimento emancipacionista crescia com seguidas manifestações na frente da prefeitura. O clamor das ruas repercutia na Câmara Municipal por meio de discursos dos vereadores comprometidos com a democracia. E o Nosso Tempo repercutia as manifestações populares a favor de eleição para prefeito, até que no dia 11 de fevereiro de 1984 o coronel Clóvis Cunha Vianna oficializou o seu pedido de afastamento do cargo de prefeito.

Diretas já

Ainda no ano de 1984, mais precisamente no primeiro semestre, começaram a surgir as grandes manifestações no país pedindo eleições diretas para presidente da República. Era o início da campanha das Diretas Já. Em Foz do Iguaçu, essa campanha batia em dois objetivos: eleição direta para prefeito e eleição direta para presidente da República.

No dia 1º de abril foi realizado um grande comício na terceira pista da Avenida JK, em Foz do Iguaçu, quando três mil pessoas se reuniram debaixo de chuva para ouvir as lideranças do PMDB, PDT e PT.

A Emenda Dante de Oliveira em prol de eleição direta para presidente não foi aprovada pelo Congresso em abril de 1984, e com isso as atenções e lutas se voltaram para as eleições diretas nos municípios de área de segurança nacional. Os partidários da autonomia municipal na faixa de fronteira começaram a se organizar novamente, quando houve a definição de que o mineiro Tancredo Neves disputaria a Presidência da República, pela oposição, contra Paulo Maluf na eleição indireta em que os membros de um colégio eleitoral escolheriam o presidente.

Tancredo é eleito pelo pelos deputados e senadores, morre antes de tomar posse, e em seu lugar assume o vice-presidente José Sarney, que sanciona, em 15 de maio de 1985, emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas nas capitais dos estados, estâncias hidrominerais e municípios das áreas de segurança nacional. E depois de 20 anos, a população de Foz do Iguaçu e demais municípios de segurança nacional poderiam preparar suas eleições com o exercício sagrado do sufrágio universal.

O jornal Nosso Tempo, além de assumir nos conflitos sociais a defesa dos que não tinham voz, foi categórico na luta pela redemocratização do país.

O fechamento

Com a promulgação da Constituição de 1988 e o retorno à normalidade democrática, o jornal, aos poucos, torna-se um veículo comercial, mantendo a linha editorial definida em sua fundação, mas publicando releases dos governos municipal e estadual. Esses comprometimentos não agradaram aos milhares de leitores, e a tiragem foi minguando. Em 1992, Nosso Tempo, que já não contava com João Adelino de Souza, foi vendido pelos sócios restantes, Aluízio e Juvêncio, para Adão Luiz Almeida, que o manteve até 1994, quando o fechou.

CRONOLOGIA

Maio de 1980
Semanário Hoje Foz é vendido e deixa lacuna na imprensa de Foz do Iguaçu.

3 de dezembro de 1980
Circula a primeira edição do jornal Nosso Tempo.

6 de março de 1981
Jornalistas são intimados pela Polícia Federal e processados com base na LSN (Lei de Segurança Nacional).

27 de junho de 1982
Juvêncio Mazzarollo é condenado a um ano de prisão.

26 de setembro de 1983
Tribunal Militar aumenta a pena de prisão para quatro anos.

6 de abril de 1984
Após greve de fome de Juvêncio Mazzarollo, o Supremo Tribunal Federal corrige a injustiça do Tribunal Militar e ordena a libertação do jornalista.

Década de 90
Com retomada das eleições e a Constituição de 1988, o jornal busca novos ares, mas entre em declínio.

1994
Jornal vira diário em busca de sobrevivência, mas não resiste aos novos tempos e fecha.